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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

'O caracol' (microconto)

O caracol queria comer a couve, mas a chuva não queria passar. Decidiu então ficar onde estava, protegido sob um pé de rúcula. Adormeceu. Quando a chuva passou e ele despertou, decidiu experimentar um pouco da rúcula. Mas o agricultor não quis colaborar: quando estava chegando perto da verdura, o caracol a viu se elevar subitamente num supetão que chegou a causar para ele um terremoto. O caracol assustou tanto que sua vontade era se esconder e ficar imóvel por horas ali na terra, mas a fome não quis deixar. 


O caracol avistou um pé de alface e seguiu até ele. Ele já estava na base do vegetal, quase chegando na primeira folha, mas o agricultor, de novo, não quis esperar: arrancou o pé de alface num golpe, tal como tinha feito com a rúcula, e enfiou-o na cesta. O caracol petrificou. Estava ele agora grudado na alface, dentro da cesta escura e abafada e atolada de vegetais, sem espaço para se mover. 

Chegando na feira, cada verdura foi brevemente lavada numa bacia com água. O banho poderia ter sido suficiente para expulsar o caracol, mas a dona da banca não quis perder mais de um segundo com cada verdura, e o caracol permaneceu grudado na alface dele. 

Expostos na feira, o caracol e a alface ficariam por horas. Parece que ninguém queria comprar aquela alface. O caracol permanecia discreto e calado na raiz. Duas ou três pessoas o notaram, mas não quiseram fazer nada a respeito. A dona da banca da feira resolveu abaixar os preços, pois não queria voltar com alface para casa. Finalmente, a alface foi comprada. Ela e o caracol foram metidos numa sacola e levados para a casa de alguém.

Chegando em casa, a pessoa que comprou a alface decidiu que não queria comer alface naquele dia, então depositou-a na geladeira. Lá ficaram ela e o caracol até o dia seguinte. O caracol não entendia muito bem a situação, ele só sabia que queria sair dali, mas a geladeira não queria abrir. O corpo do caracol estava frio, e sua alma estava congelando. Ele rezava como podia, mas Deus não queria atender.

No dia seguinte, à noite, o cozinheiro retirou a alface da geladeira e colocou-a de molho em água misturada a um produto químico que teria matado o caracol, mas o cozinheiro não quis colocar a quantidade suficiente. Tonto, o caracol saiu da água e começou a vagar desorientado pela cozinha. O cozinheiro o viu. O cozinheiro pegou-o de um jeito inadvertidamente desajeitado demais e o colocou para fora, no parapeito da janela, pois não o quis matar.

O caracol queria sair dali e caminhar para ver se encontrava de novo a horta. Mas seus músculos não quiseram obedecer. Estavam liquefeitos.

A manhã chegou. Chegaram os pássaros. Ao meio-dia, o dia ardia, e a alma do caracol ainda habitava sua nublada consciência. Os pássaros não o quiseram comer. Mas o sol não quis perdoar. O caracol evaporou. 

Seu casco permanece sólido no mesmo lugar pois ninguém o quis remover. 

(Do livro Tempestade, Raphael Samaniego, 2023.)



Breve interpretação do conto

"O Caracol" de Raphael Samaniego é um conto profundo que tece um relato sobre a vida, destino e a interação constante entre vontade, escolha e acaso. Aqui, a figura do caracol representa a fragilidade da vida e a constante busca por sobrevivência, enquanto os elementos externos mostram a indiferença e o capricho do destino. Vamos analisar algumas das principais temáticas e técnicas literárias do conto:

  1. Vontade vs. Acaso: O leitmotiv do conto é a dualidade entre a vontade do caracol e os acontecimentos externos. A frase "não quis" é repetida diversas vezes ao longo do texto, aludindo à natureza incontrolável do destino. O caracol tem seus próprios desejos e necessidades, mas é constantemente frustrado por circunstâncias fora de seu controle.
  2. Fragilidade da Vida: O caracol é vulnerável e suas ações são frequentemente frustradas por forças externas. O conto ilustra a ideia de que, independentemente de quão determinado ou resiliente possamos ser, existem forças externas que podem facilmente superar nossos esforços.
  3. Indiferença do Mundo: O mundo, representado pelos outros personagens, frequentemente age de forma indiferente ao caracol. A dona da banca, o cozinheiro e até mesmo a natureza (chuva e sol) demonstram uma falta de consideração pelo bem-estar do caracol.
  4. A Jornada da Vida: O caracol passa por várias etapas da vida, enfrentando perigos e desafios em cada virada. Sua jornada é uma representação da vida humana, onde enfrentamos desafios, somos afetados por forças externas e, no final, enfrentamos a inevitabilidade da morte.
  5. Estilo de Escrita: Samaniego emprega um estilo de escrita que combina a crueza da realidade com momentos líricos. Isso é evidente na descrição da situação do caracol, especialmente na linha "sua alma estava congelando" e "a alma do caracol ainda habitava sua nublada consciência".
  6. Final Simbólico: A morte do caracol sob o ardente sol é uma representação do ciclo da vida. Mesmo depois de sua morte, o casco do caracol permanece como um testemunho de sua existência, ignorado e esquecido pelo mundo ao seu redor.
Em suma, "O Caracol" é um conto introspectivo que examina os temas da vida, morte, destino e a constante tensão entre vontade pessoal e forças externas. Através da lente da jornada de um caracol, Samaniego convida o leitor a refletir sobre a efemeridade da vida e a indiferença do universo.

domingo, 16 de março de 2014

Prefácio do poema "Altazor" lido por mim

Gravei uma leitura (em espanhol) do prefácio do poema Altazor (El Viaje en Paracaídas), de Vicente Huidobro. 

Clique aqui para ver a versão completa (11min), ou veja no vídeo abaixo a versão reduzida (9min):



Para ler "Altazor" na íntegra, clique aqui.

segunda-feira, 3 de março de 2014

Frases do livro "1984"

Abaixo, um vídeo que eu fiz com as citações que mais marcaram a minha leitura do livro 1984, de George Orwell.

O vídeo não apresenta revelações de enredo (spoilers), porque as frases estão fora de contexto.




segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Exotérmico

por Guilherme Defalque e Raphael Rocha


Primeiro, segunda de mapa efêmero
Bocal de árvore de propósito
Lendo tu, alicate vulcânico
Que miss? Abacaxi?
Que miss? Tura?
É? Não? Miscelânea pobre.
Paupérrima célere demolição soturna.
Vaza-te daqui, berinjela piriforme, muda-te!
Absurdo!
Azeitona introduzida em mesóclise, sábia capivara.
Simulacro a guiar árvore de martelo.
Pretenciosa nobre criatura
De uma longa, de uma estrada, de uma vala
Tetris bolos tontos bacaxi? Polvos? Sabe-se lá de vossos piercings!
Jura!
Abelha de prosopopeia interna a cílios supersticiosos.
Jura!

Imagem: [CC] Willian Cho (modificada)

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